Contos do Birdolino
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A história de Apollo

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Mensagem por Hummingbird Dom Mar 13, 2016 11:19 am

Você começa a perceber que está ficando velho quando as pessoas só te procuram pra saber de alguma coisa. Geralmente alguma história. E você ainda tem de se contentar com a curiosidade sem limites, com as infinitas perguntas... eles nunca estão satisfeitos! Oras, eu tenho culpa de não ter nascido um livro?

O nome dessa pessoa que veio até mim não é importante nessa história. É só a pessoa da vez. E é assim que eu prefiro, ninguém vai se lembrar dele mesmo. Na minha opinião, a julgar pelas perguntas e pelo descuido do garoto, ele não duraria nem uma semana se confrontasse quem ele realmente deseja encontrar. Aliás, a história é justamente sobre esse terceiro. Seu nome era Apollo.

Esse não é um nome muito comum por aqui... — comentou o sem importância. Óh céus, eu quase havia me esquecido que ainda tem isso; as malditas intromissões.

Ignorei.

Certo, certo, voltando para minha história, onde é que eu parei mesmo? Sim, o tal Apollo. Eu o conheci anos atrás na época que eu não passava de um velho acabado. Não que hoje eu esteja muito diferente, mas é que...coisas acontecem, entende? E bem, naquela época eu estava praticamente falindo. Era dono de uma taverna mau frequentada no subúrbio de um reino bem grande. Sempre tinha muita pancadaria por lá, mas também muitos fregueses. O problema é que minhas dívidas só aumentavam, o rei cobrava impostos demais, sem contar que eu nunca fui flor que se cheire. Era bem chegado numas apostas e joguinhos — não sou de ferro, pera lá! E foi aí que eu conheci o Apollo. Chegou numa noite e ninguém o conhecia. Tinha cabelos loiros e longos, amarrados num coque no alto da cabeça que mais parecia uma mulher. Só que o camarada era um puta enigma. Apesar dos trejeitos e tudo o mais, tinha um corpo que mais parecia um ogro beirando uns 2 metros de altura, senão mais até. Ombros largos que o faziam parecer um armário. Os braços então? Pareciam mais rígidos e fortes que qualquer escudo ou armadura ali presente. Era um cara que chamava atenção, não tem como negar. Sua primeira noite na taverna já fez a fama dele; falastrão e bem mulherengo. Não podia ver um rabo de saia. E o pior é que com o charme dele não escapava uma! Acreditem ou não, bastou uma única noite pra fazer sua fama principalmente entre as mulheres. O restante do pessoal do reino já ficou possesso com ele; tinha gente ali que tava no zero a zero faz tempo. Um forasteiro chega e bate a meta assim, numa única noite? É pra matar mesmo.

E não deu outra, os caras se juntaram e armaram pro tal Apollo. Tentaram quebrar ele na porrada no fim daquela noite mesmo. É claro que foram os caras que saíram quebrados afinal o loiro era tão resistente que mais parecia um tronco de carvalho. Levava um soco aqui, não fazia nem cócegas. Outro soco ali, um chute acolá; e nada. Os caras começaram a pensar que ele usava algum tipo de bruxaria, tsc. Da pra acreditar? Bruxaria! Acontece que o Apollo não precisou de esforço nenhum pra botar todo aquele grupo pra correr. Só que, o que mais me intrigou mesmo nem foi a briga. Foi o depois. Ele veio pedir abrigo justo pra mim. Ora, quem diabos ele pensa que eu sou, uma hospedaria?

— Olha camarada, uma noite foi o suficiente pra ver o quanto você pode me dar problema então... é melhor você procurar abrigo com uma das mulheres que estavam te dando mole, certo? — Respondi. Mas ele não desistiu. Parecia mesmo interessado em ficar ali. Eu voltei a dizer que não. Entramos numa discussão infantil de sim e não até que de repente ele puxou o copo que eu estava limpando no balcão e, num piscar de olhos, transformou o vidro em ouro. Eu confesso, achei que eu tinha bebido demais naquela noite. E então ele disse;

— Me deixe trabalhar aqui com o senhor e então, terá um desses todo mês. — Foi a sua proposta.

Fiquei com um pé atrás. Quando a esmola é demais, o santo desconfia. No meu caso eu já estava desconfiado desde que o vi entrando no meu estabelecimento, mas o que eu podia fazer? Tinha dívidas pra pagar, eu precisava daquilo e ainda ganharia um ajudante de graça. Aceitei a oferta, passei o resto da noite analisando aquele copo de ouro. Apollo dormiu num quartinho dos fundos onde eu costumava guardar as mesas e cadeiras pra não serem roubadas. No dia seguinte fui verificar numa das forjas do reino e para minha surpresa, o ferreiro me disse que era ouro legítimo e ainda ficou surpreso em saber que eu portava um daqueles. Ora, só porque sou um velho cheio de dívidas não posso ter meus tesouros? Que besteira! Mas eu nunca fui de dar satisfações nem pra minha finada esposa, então isso ficou de lado. Voltei pra Taverna e lá estava o tal Apollo, arrumando as coisas. Percebi então que, apesar do que aconteceu na noite anterior, desta vez não vi mais nada transformado em ouro. Então ele podia controlar aquilo? Fiquei curioso, entende?

O loiro então me contou que já era um andarilho faz tempo desde que se entende por gente. Contou o pouco que sabia de sua história. Dia após dia eu fui começando a entender melhor o que era o Apollo. Você acredita se eu disser que ele era o filho de um dragão? Pois é, no começo nem eu acreditei, pelo menos não até ver as escamas que ele esconde no dorso e abdômen. O pai dele parece que era um dragão de um clã muito antigo e que poucos em vida tiveram oportunidade de ver. Era um clã tão antigo que os próprios dragões ainda não tinham asas, da época em que os dragões estavam dando seus primeiros passos na terra, pelo que ele me contou. Sua mãe, no entanto, era uma humana virgem, uma princesa de um reino das terras do oeste. Ambos se conheceram através de um falso amigo de seu pai, uma cobra de escamas douradas que parecia ser algum tipo de subordinado do clã dos dragões, não entendi muito bem. Aquela serpente sempre desejou poder e reconhecimento, ela queria ser considerada mais que uma serpente, ela queria ser um dragão como todos os outros. Ela então arquitetou um plano para aproximar o pai de Apollo da tal humana, os dois se apaixonaram inevitavelmente. Amor proibido; ambos de famílias rivais, mas o ódio não conseguia vencer o amor entre ambos. E quando a mulher engravidou então? O pai de Apollo, líder daquele clã de dragões declarou fim a guerra contra os humanos. Eles firmaram trégua ou seja lá como chamam isso entre eles, será que é algum tipo de pacto com dragão, troca de escamas? Eu não entendo dessas coisas. Até aí explica-se o nascimento dele.

Sua habilidade de transformar as coisas em ouro, no entanto, era uma maldição. Presente da serpente conselheira de seu pai. Revoltada com a trégua com os humanos e vendo ali sua única chance de provar valor sendo jogada pelo esgoto, a serpente decidiu arriscar tudo amaldiçoando o filho do casal. Seu veneno, de fato, não poderia matar a criança tendo em vista que Apollo era um meio-dragão. Entretanto, ainda jovem, o veneno poderia-lhe surtir algum outro efeito. A serpente foi astuta e conseguiu o que queria. O veneno assim que começou a circular nas veias do garoto, despertou-lhe um poder que mais tarde tornaria-se sua própria maldição. Tudo que o garoto tocava ou que entrava em contato com ele, transformava-se em ouro imediatamente. No auge da circulação do veneno, os primeiros a serem transformados em ouro puro foram os pais de Apollo. Pelo que sei, morreram instantaneamente. Depois que perceberam a maldição no garoto, os dragões baniram-o e o garoto foi criado pela própria serpente, secretamente. A serpente ainda assim não fez questão de poupá-lo das histórias. Contou-lhe tudo e o ensinou tudo que podia sobre aquela maldição que lhe tinha imposto. Aos poucos Apollo aprendeu a controlar os poderes que a maldição lhe deu, entretanto, aprendeu também a ser um mal feitor, a nutrir características ruins e mais aquela baboseira toda. Resumindo, virou um fanfarrão. Trombadinha, e assim por diante.

E foi assim que chegou no meu estabelecimento. Foi assim que se manteve até hoje. Fiquei curioso a respeito do olho direito nele, afinal ele usa um tapa-olho no lugar. E então certo dia ele simplesmente me disse que o vendeu. Transformou o próprio olho em ouro para dar em troca de algo que ele realmente queria. Não me disse o que era, mas disse que valeu tanto a pena que ele nem mesmo sentia falta do olho. Eu fiquei pensando, até onde a ganância pode levar alguém? Capaz de vender o próprio olho? Apollo era mesmo um camarada completamente diferente de todos que pisaram aqui. Ao mesmo tempo que parecia ser dominado pela própria ambição, ele conseguia jogar na nossa cara o quão fajuto pode ser o valor do ouro e ainda pisar em tudo que somos, já que vendemos até a alma por um pouco de ouro nessa vida.

Bem, e é aí que eu fiquei falido de novo né? Eu acho que aprendi uma lição valiosa durante esse tempo que o Apollo trabalhou comigo. Ele me trouxe fama, me trouxe ouro, me trouxe novos fregueses e uma nova vida. E então, da mesma forma que me deu tudo, ele também tirou tudo. Eu simplesmente não queria mais nada daquilo. Eu acho que sou um trouxa mesmo. Foram anos divertidos, bebemos bastante, comemoramos, conhecemos muitas mulheres, muitos outros camaradas, minha taverna nunca ficou tão famosa. E hoje, como pode ver, está caindo aos pedaços. Mas o Apollo ainda aparece de vez em quando. Traz sempre um copo de ouro toda vez que vem me ver. Você me pergunta se eu os vendi? Não, eu tenho todos guardados naquele quartinho dos fundos. Cada um que ele trouxe, cada visita. Ele foi o tesouro que a vida me deu depois que eu perdi tudo, afinal. Então você me pergunta quem é o tal Apollo? Ele foi meu novo filho, e ainda é eu acredito. Ele continua viajando bastante, dando golpes, aproveitando a vida. Ele ainda vai viver muito tempo se é mesmo um meio-dragão como diz ser. Eu só fico pensando, com o poder dele ele poderia ser qualquer coisa... então, por que? Por que ser um forasteiro fanfarrão sem grandes objetivos?

— Então meu camarada, o Apollo que você procura é o mesmo que todos procuram. Agora o Apollo que você vai conhecer? Ninguém sabe. — Essa foi a minha resposta praquele cara.

E assim, mais esse foi embora. Tinha nas mãos o que queria. Mais uma história. Desde que a fama do tal fazedor de ouro se espalhou, é quase todo dia isso. Sempre chega alguém novo querendo saber do tal Apollo.




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